ENTREVISTA: SOLANGE CASTRO NEVES E O IMPACTO DA NOVELA “A VIAGEM” NA VIDA DAS PESSOAS

 

Solange Castro Neves
Crédito: Carolina Chirardelli

A novela A VIAGEM retornou no Vale a Pena Ver de Novo no dia 12 de maio deste ano (2025). E novamente liderou a audiência na primeira semana, sem patinar nas seguintes. Depois de tantas reexibições com tamanho sucesso, fica a pergunta: “Por qual motivo a novela continua tão atual e mexendo com o coração dos telespectadores?”

Quem responde a esta e outras perguntas é a autora SOLANGE CASTRO NEVES, que utilizou seus dons na nova versão produzida em 1994 ao lado da saudosa IVANI RIBEIRO. Confira a entrevista!

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A Viagem volta em mais uma exibição na TV. Além de sua apresentação em 1994, somente no Vale a Pena Ver de Novo houve mais duas: em 1997 e 2006. Sem contar as reexibições no Canal Viva: 2015, 2021 e 2024. Nesta nova cena nas tardes da TV Globo, a novela já estreou batendo todos os outros folhetins anteriores, indo a 17.3 na medição. Em sua opinião, o que A Viagem traz no seu conteúdo que entrega tamanho sucesso?

Eu acredito que a trama da novela é atemporal. Pega a dualidade da vida. Por exemplo: o amor e o ódio, a própria vida e a morte, a alegria e a tristeza, as perdas e os ganhos... Ou seja, mexe com todas as emoções escondidas nas almas das pessoas. E a essência humana é a mesma. Portanto, escrever uma obra sobre a essência humana, seus medos, seus desejos, seus anseios, a importância do amor, tudo isso é atemporal. A história de um amor puro como o da Diná e Otávio, um amor sem “talvez”, um amor além da vida mostrando que a nossa existência é uma longa história, tem a continuação. A vida não termina com a morte. As pessoas que perdem um ente querido irão notar que o perecer não é o fim de tudo. Para o momento em que nós estamos vivendo onde falta amor, empatia, e as pessoas vivem cada vez mais isoladas, eu acho que essa novela veio para abrir portas, refletir o que é a vida, o que é importante, e que as nossas escolhas de hoje farão o amanhã. A vingança não leva a nada, a traição provoca tantas dores. A novela mostra o valor da lealdade, da confiança, da fé. Acredito que seja por isso que a obra faça tanto sucesso.

Como se deu a escolha da sinopse para o remake de 1994 e em que momento você foi chamada para estar junto no roteiro?

Eu já trabalhava com a Ivani Ribeiro, isso desde Final Feliz. Nós tínhamos terminado o remake de Mulheres de Areia e iniciaríamos um novo texto. Foi quando o Mário Lúcio Vaz e o Boni nos chamaram. Na reunião, eles queriam para tão logo, não me recordo muito bem, uma nova obra no ar. Estávamos entre Os Inocentes e A Viagem. Quando eu era jovem e ainda morava em Araçatuba, me apaixonei pela primeira versão de A Viagem. Os Inocentes eu não havia assistido. Então eu disse à Ivani: “Vamos fazer A Viagem?”. Foi, então, que começamos a trabalhar essa segunda sinopse. Um problema que nós enfrentamos, é que não tínhamos as respostas necessárias para os mistérios envolvendo a trama. Na primeira versão, os bilhetes do Herculano Pires, que era um espírita e respondia todas as questões em relação à espiritualidade, se perderam. Daí buscamos várias assessorias, das quais agradeço até hoje, inclusive quero registrar aqui a gratidão à uma amiga, a Isa Duboc Hiroshimo, que me ajudou muito nas pesquisas para obter novas respostas. Com isso, alcançamos uma amplitude, abrimos o leque da espiritualidade. Acredito que também tivemos ajuda de lá de cima, e a Ivani com a sua intuição maravilhosa... Eu só tenho a agradecer por ter feito parte desse trabalho!

O plot central de A Viagem é a espiritualidade. Houve acontecimentos fora do comum ou, digamos assim, extrafísicos nos bastidores?

Existiu, inclusive nos bastidores. Eu levava algumas novidades para a produção e o pessoal contava sobre o que acontecia. Muitas vezes eu escrevia cenas e, de repente, eu acordava na madrugada com todas as repostas apontando o que eu tinha que mudar em determinada fala ou ação. Era interessante, pois eu lia para a Ivani e ela respondia positivamente. Quero abrir um parêntese sobre o Cláudio Cavalcanti, que era ateu e acreditava no amor puro. Durante uma conversa que tivemos sobre espiritualidade, nasceu uma amizade muito grande entre a gente. Eu vou admirá-lo para sempre e digo que ganhei, nessa novela, um amigão que inclusive veio trabalhar posteriormente comigo na Marcas da Paixão, da Record. O Cláudio fez um doutor Alberto maravilhoso, passava uma verdade incrível, as questões da espiritualidade, as perguntas sobre a vida e a morte, a comunicação com o além, ele merece todos os aplausos! Quero falar também sobre um outro personagem, o Mascarado, que depois vinha a ter seu nome revelado: Adonay. Tínhamos a preocupação de o público não gostar da sua roupagem. No final, deu tudo certo, o público comprou a ideia. Comento isso, porque eu escutei o nome Adonay. Isso eu nunca comentei em nenhuma outra entrevista. Escutei, falei com a Ivani, ela adorou e o personagem ganhou tal nome.

Christiane Torloni como Diná
Crédito: DEDOC TV GLOBO

A Viagem aborda o tema vida após a morte. Hoje, 31 anos após a primeira exibição da releitura, ainda se comenta sobre a morte da jovem atriz Chris Pitsch pouco tempo após a novela acabar. O que permanece na sua memória sobre esse acontecimento?

Foi um fato que me marcou muito. A Ivani tinha um guru, ou melhor, um amigo espiritual, o Alex André, que tempos depois também se tornou meu grande amigo. A Chris Pitsch era filha dele. Bem, o Alex nos pediu para dar uma oportunidade a ela, pois a jovem tinha o sonho em fazer uma novela, confidenciando ainda o problema que a Chris tinha no coração. Criamos uma personagem, a Bárbara, e a Chris encantou a todos, equipe e público, realizando o seu sonho. A novela terminou e, algum tempo depois, o Alex me ligou dizendo que ela havia falecido no Rio de Janeiro. Guardo até hoje uma foto sua com uma mensagem alegre e carinhosa. O Alex André faleceu há dois anos, em 2023.

A novela completou 31 anos, mas parece que foi ontem. Há um ditado que diz o seguinte: O TEMPO PASSA, porém, gosto de apresentar uma frase de uma amiga já falecida que dizia assim: O TEMPO É, NÓS É QUEM PASSAMOS POR ELE. O sobre que tem a dizer sobre o tempo ao se deparar com as 3 décadas de A Viagem?

O tempo! Pergunta bem interessante! Essa frase da sua amiga é maravilhosa! Tem outra que a Ivani me dizia e era assim: “A vida é a continuação de uma longa história.” Veja: o meu primeiro encontro com a Ivani aconteceu no dia 17, mas ela dizia que foi um reencontro. E assim tudo tem uma razão de ser. Desde criança eu questionava o mundo. Por que rico e pobre, saúde e doença, principalmente criancinhas doentes? Eu não entendia. Questionava inclusive o Monsenhor Luz de Araçatuba. Ele dizia que era a vontade de Deus. Eu relutava: “Se Deus é Pai, como ele pode investir numa criança passando por tudo isso?” Tem também as diferenças entre um filho e outro. Com essa novela eu aprendi muito, evolui bastante, encontrei diversas respostas sobre os porquês da vida. O que estamos fazendo aqui na Terra? Tudo isso é uma grande escola. Cada um veio evoluir individualmente, são as escadas, essas tão faladas na igreja. Aprendi que três coisas podem nos destruir, são as grandes tentações: o poder, o sexo e o dinheiro. O dinheiro, por exemplo, pode comprar até um certo ponto. Mas não compra o verdadeiro amor, a verdadeira amizade. Então, digo que essas são as três maiores tentações que o ser humano passa. Espero, de coração, que todas as pessoas que estiverem assistindo a novela possam refletir sobre a vida, sobre os verdadeiros valores. Não é a marca da roupa que se veste, não é o dinheiro que se tem no banco. Na verdade, o que está aí é a gangorra que se vive. Hoje temos saúde, amanhã podemos não ter mais. Nunca estamos certo de tudo. Existe ainda a lei do retorno. Se você plantar arroz, não colherá morangos. E religião vem do religar a Deus, todas elas nos levam a Ele. Tudo é energia, vibração. Então, se você vibra o negativo, você atrai a negatividade. Eu termino a pergunta com a frase “A semente é facultativa, a colheita é obrigatória”.

Guilherme Fontes como Alexandre
Crédito: DEDOC TV GLOBO

Você foi uma pupila da Ivani Ribeiro, ou seja, não só colaborou em diversas tramas da autora, como também tinha cartão verde para lidar com os roteiros. Quem era a escritora Ivani e quem era a Cleide, nome da Ivani no registro de nascimento?

A Cleide era uma pessoa forte, determinada, sábia, muito “família” e que tinha o dom da criação. Era muito inteligente. Amava ler, era observadora, estudiosa. Ela me ensinou que somos eternos aprendizes. E que, quanto mais estudamos, notamos que pouco sabemos. A Cleide me ensinou tudo o que sei sobre teledramaturgia. Boníssima, sofreu muito, porém, nunca se vitimou. Teve muitas doenças, era diabética em alto grau, com consequências seríssimas. Eu nunca a vi reclamar. Hoje sou uma pessoa muito melhor devido a ela. Foi uma segunda mãe para mim. A Cleide teve muitas dificuldades na sua existência, sentiu a vida real. Certa vez me disse: “Solange, você precisa perder essa sua inocência. Puxada de tapete, levará muitas. E quando entrar no escritório, todos os seus problemas devem ficar do lado de fora”. E me apontava a lealdade e a cumplicidade que é preciso ter na nossa profissão de escritores. Até hoje só tenho que agradecer. A Ivani já era doce, romântica, intuitiva. Ela brincava que tinha dupla personalidade e perguntava se eu gostava mais da Ivani ou da Cleide. Riamos muito com isso. Todos nós temos uma dualidade dentro da gente. Eu vou fazer setenta e três anos e continuo acreditando que o amor sem talvez, verdadeiro, a amizade sincera, tudo isso existe.

Seu trabalho na escrita criativa em novelas também aconteceu ao lado do saudoso Cassiano Gabus Mendes? Como era o processo de carpintaria dele?

Grande Cassiano! Ele era prático, não tinha rubrica. Sua escrita era direta e com muitos diálogos. As imagens ficavam mais por conta dos diretores. E talvez pelo fato de ter um pé na comédia, o tempo dessa comédia também necessitava da precisão. Então, isso era muito difícil de aprender.

Qual era a maior diferença entre a escrita criativa do Cassiano e da Ivani?

A Ivani veio do rádio. Então, colocava-se bastante rubrica para cada personagem. A cena era imaginada antes mesmo de escrevê-la. A imagem vinha, dava-se movimento, entrava a emoção do momento... Depois vinham os diálogos. Isso facilitava para os atores, diretores, e ali eles podiam criar sobre o nosso trabalho, trazendo situações ainda mais bonitas. Por causa da Ivani fiz um curso de câmera, fui saber mais sobre arquitetura, tudo isso para poder explicar e colocar no papel a imagem de uma determinada cena. Para a Ivani, a sonoridade também era muito importante. E eu sinto falta disso nas novelas de hoje em dia, principalmente a trilha sonora. Quando a trilha entrava, a emoção do personagem vinha junto. Veja: a carpintaria dos dois era diferente, porém, a emoção colocada em cada personagem era a mesma. A lição que fica dos dois é que, se a cena não tiver emoção, se não levar a história para frente, se não resultar em boas gargalhadas, se não contar a história ou não conseguir explicar algo com exatidão, deleta-se a cena. Naquela época, havia uma pergunta: “Para que serve essa cena?”. Dependendo da resposta, falávamos “Apaga, joga fora!”.

Sabemos que a Solange não parou de escrever. Quando não está na carpintaria das novelas, quais são suas outras formas de trabalhar com a escrita criativa?

Quando não estou escrevendo novelas, séries ou filmes, dou aula. Com os alunos, reciclo a minha vivência na escrita criativa. Eu gostaria muito de voltar a fazer novelas. Acredito que quem foi tomado por essa arte... Apesar da loucura em escrever um capítulo por dia, ainda me fascina. Digo para meus alunos que o gênero “novela” nunca irá acabar. Vemos aí as novelas turcas, as coreanas surgindo e ganhando o mundo. Quando tem uma novela boa, todo mundo volta a assistir. Tendo uma ótima história e profissionais envolvidos entorno da trama para que tudo dê certo, acredito que é a base para sua perpetuação. O velho folhetim jamais irá morrer!

Quais são seus novos projetos na dramaturgia?

Tem uma sinopse que entreguei há pouco para um canal de streaming. E vem aí o musical de A Viagem, que escrevi com a Thalma Bertozzi e o Vitor de Oliveira, uma produção da Disual e o aval da Rede Globo. É um trabalho que fizemos com muito amor e em homenagem à Ivani.

Eu digo para meus amigos que A Viagem também poderia se chamar A Mensagem, pois ela foi pincelada para acalentar corações, entregar epístolas daqueles que já se foram aos entes queridos, e emocionar o público cativo. Que mensagem você deixaria aqui para os que novamente estão acompanhando essa trama tão única, tão singular?

Assistam a novela sem julgamentos. Questionem-se! É muito bom ter esse leque para reconhecer quem é você, o que é a vida, o que estamos fazendo aqui na Terra, qual é a importância das nossas escolhas. O nosso futuro depende do nosso hoje. Acredite, o amor existe! Volte-se aos seus verdadeiros valores, sem julgamentos, sem rotular as pessoas. Vamos nos unir! Religião é o religar ao Alto. Tudo é energia, tudo é vibração! É da sonoridade da sua vibração que você irá atrair o que deseja. E vamos olhar o outro com mais amor e empatia. Quem julga já está condenando. Pense bem o que você semeia, pois irá colher, mais cedo ou mais tarde. Nessa vida ou em outras, pois a vida é a continuação de uma longa história.

Comentários

  1. Por quê viemos e para quê viemos?
    Precisamos parar e pensar, não deixar no piloto automático, pois exercitar a meditação é uma forma de encontrarmos alguma resposta para está nossa existência.

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